OAB de Portugal reclama de bacharéis despreparados

Segunda, 12 de março de 2012

A Ordem dos Advogados de Portugal acusou o Judiciário português de empurrar para a advocacia os bacharéis despreparados que não conseguiram entrar para a magistratura. A acusação foi feita depois que o Tribunal Constitucional derrubou a quarentena de três anos que a Ordem impunha aos recém-formados. Bacharéis reprovados nos exames do estágio obrigatório tinham que esperar pelo menos três anos para se inscreverem em novo estágio.

O Tribunal Constitucional considerou que a quarentena restringia indevidamente o acesso à profissão. A Ordem não gostou e, nesta semana, o presidente António Marinho e Pinto demonstrou seu descontentamento em comunicado divulgado pela entidade. Aproveitou a oportunidade para criticar a má qualidade do ensino jurídico em Portugal.

"O que o Tribunal Constitucional pretende, no fundo, é obrigar a Ordem dos Advogados a receber e dar formação a milhares de licenciados despreparados juridicamente, diplomados por universidades que mercantilizaram totalmente o ensino do Direito e exploram inescrupulosamente as ilusões de uma juventude sem esperanças, vendendo-lhes licenciaturas que, em bom rigor, não servem para nada e que até o Estado (que as criou) rejeita", escreveu Marinho e Pinto.

Ele reclamou que o Tribunal Constitucional não se importa com a credibilidade e dignidade da profissão de advogado, prejudicada todos os anos quando a Ordem é obrigada a receber milhares de bacharéis sem preparo. "O Tribunal Constitucional não percebe que a Ordem dos Advogados não existe para garantir o direito à profissão de ninguém, mas sim para garantir à sociedade que aqueles que vão exercer a Advocacia estão preparados para isso. É essa a função da Ordem e não outra."

As críticas de Marinho e Pinto também foram motivadas por uma decisão da corte de janeiro de 2011, quando o tribunal considerou inconstitucional um Exame de Ordem para estagiário. A prova foi criada no final de 2009 e era exigida para que os graduados pudessem iniciar o estágio obrigatório antes de receber a carteira de advogado. Além dos estudantes, escritórios de Advocacia criticavam o exame. Na primeira prova aplicada em março de 2010, o índice de reprovação foi de quase 90%.

Leia o comunicado da Ordem dos Advogados de Portugal:

"O Tribunal Constitucional (TC) veio, mais uma vez, declarar inconstitucionais várias normas do Regulamento Nacional de Estágio (RNE) da Ordem dos Advogados (OA), por alegada violação da Constituição da República Portuguesa (CRP) na parte em que esta garante que "[t]odos têm direito a escolher livremente a profissão ou o gênero de trabalho" (artigo 47º, n.º 1). Em causa estão disposições que exigem aproveitamento aos milhares de candidatos à advocacia inscritos no estágio da OA.

O estágio para advogado tem duas fases: a primeira tem a duração de seis meses e "destina-se a fornecer aos estagiários os conhecimentos técnico-profissionais e deontológicos fundamentais e a habilitá-los para a prática de atos próprios da profissão de competência limitada e tutelada"; a fase complementar tem a duração de 18 meses e "visa uma formação alargada, complementar e progressiva" de modo a prepará-los para o exercício pleno da advocacia.

As normas do RNE que o TC revogou estabeleciam que os candidatos que tivessem efetuado dois estágios consecutivos sem aproveitamento só poderiam inscrever-se para um terceiro depois de decorridos três anos. E isso porque a OA não pode nem deve estar a dar formação profissional, repetidamente, a quem não está em condições de assimilar essa formação por falta dos conhecimentos jurídicos de base que só as universidades podem ministrar.

Na OA, um estagiário que reprove no exame final da fase complementar pode repetir o exame; se voltar a reprovar pode repetir toda essa fase do estágio; se depois voltar a reprovar no exame final pode repetir mais outra vez esse exame e se voltar a reprovar, então é que já só poderá voltar a repetir o estágio passados três anos. O que o TC agora veio dizer é que essa exigência viola o direito de escolha da profissão e, portanto, que esses estagiários podem reprovar indefinidamente, sendo a OA obrigada a oferecer-lhes tantos estágios quantos eles queiram.

Esta decisão surge cerca de um ano depois de o TC ter também declarado inconstitucionais outras normas do mesmo regulamento estabelecendo que o acesso ao estágio de advogado seria efetuado através de um exame nacional de acesso, apenas para os licenciados em direito que tivessem tirado o curso após o Processo de Bolonha, ou seja, com três ou quatro anos de licenciatura. Os que tivessem o mestrado ou uma licenciatura com cinco anos acediam ao estágio sem necessidade desse exame.

Sublinhe-se que o acesso à magistratura é muito mais gravoso, pois, agora, só os mestres em direito podem entrar para o Centro de Estudos Judiciários e, mesmo assim, só através de um exame igual ao que o TC declarou inconstitucional na OA. O próprio Estado reconhece, pois, que os novos licenciados não estão preparados para receber formação para uma profissão forense, já que nem com um exame os deixa entrar no CEJ.

Todos os anos, a OA é obrigada a admitir vários milhares de licenciados em direito que não conseguem entrar na magistratura, no notariado, nas conservatórias, na Função Pública ou aceder a qualquer outra profissão. Para o TC é totalmente indiferente que isso destrua a dignidade e a credibilidade de uma profissão que a CRP (artigo 208.º) define como essencial à administração da justiça.

O que o TC pretende, no fundo, é obrigar a OA a receber e dar formação a milhares de licenciados despreparados juridicamente, diplomados por universidades que mercantilizaram totalmente o ensino do direito e exploram inescrupulosamente as ilusões de uma juventude sem esperanças, vendendo-lhes licenciaturas que, em bom rigor, não servem para nada e que até o Estado (que as criou) rejeita.

Infelizmente, o TC não percebe que a OA não existe para garantir o direito à profissão de ninguém, mas sim para garantir à sociedade que aqueles que vão exercer a advocacia estão preparados para isso. É essa a função da OA e não outra. Por mim, garanto que, enquanto for o bastonário, a OA cumprirá escrupulosamente as decisões dos tribunais, mesmo as decisões erradas como esta do TC. Mas garanto também que aqueles que acederem à profissão estão em condições de merecer a confiança dos cidadãos, pois a OA não venderá cédulas profissionais de advogado como as universidades têm estado a vender diplomas de licenciatura em direito."

António Marinho e Pinto

Fonte: Conjur

A situação da expansão dos cursos de Direito em Portugal, guardadas as devidas proporções, é muito semelhante ao que ocorre no Brasil.

O bastonário português (bastonário representa a direção da Ordem dos Advogados lá) tenta de todas as formas limitar o acesso dos licenciados à advocacia, criando toda sorte de obstáculos, via regulamento (ponto importante), como vocês podem ver abaixo:

Ordem dos Advogados de Portugal pratica reserva de mercado escancarada

Ordem dos Advogados de Portugal: Advogados estagiários recorrem contra aumento de taxas para exames

Ordem dos Advogados de Portugal tenta recriar seu Exame

E não funciona, pois como aqui, a restrição ao exercício de uma profissão depende da Lei, e não de regulamento. Como vocês sabem, o Exame de Ordem aqui no Brasil tem previsão legal, mas em Portugal, não.

Logo, todas as ações da OA Portuguesa têm sido debeladas pelo judiciário, para a loucura do Dr. António Marinho e Pinto, presidente da OA.

A expansão do número de estudantes em Direito parece ser um fenômeno Global (assim como o aumento da escolaridade das pessoas de uma modo geral), mas parece que tal expansão ocorre em um ritmo maior do que o crescimento econômico dos países consegue acompanhar, ainda mais em tempos de crise como vivemos agora.

Bacharéis em Direito sem trabalho processam faculdades nos EUA

É óbvio que eventuais exames têm como escopo primeiro restringir o acesso ao mercado. A classe, em qualquer país, tira seu sustento do mercado, e se ele entrar em um processo de saturação, as condições de sobrevivência dela entra em cheque.

Não me lembro de ter visto, em lugar algum, qualquer dirigente da OAB falar em flexibilizar o Exame de Ordem. E quem o fizer, naturalmente, estará morto politicamente.

E essa conjuntura, provavelmente, não mudará tão cedo.