É justo o valor de inscrição no Exame de Ordem?

Quinta, 20 de setembro de 2018

É justo o valor de inscrição no Exame de Ordem?

Fiz uma piada sobre o valor de incrição do Exame de Ordem no Instagram do Blog Exame de Ordem - @blogexamedeordem - e, claro, muitos, mas muitos candidatos aproveitaram para manifestar uma grande insatisfação com a obrigação de ter de pagar R$ 260,00 para a OAB.

A piada foi essa:

Mas afinal, o valor de inscrição no Exame de Ordem é desproporcional? A inscrição poderia ser mais em conta?

Eu não ignoro que o Exame de Ordem envolve uma imensa estrutura e que isso custa caro. Quais são os números do Exame de Ordem? Qual o tamanho da operação envolvida para que os candidatos possam passar da condição de bacharéis para advogados?

O Blog Exame de Ordem conseguiu com exclusividade levantar esses números para mostrar o tamanho da operação envolvida na aplicação da prova da OAB por todo o Brasil nas duas fases.

O gigantismo da prova da Ordem, hoje, só perde para o ENEM, o segundo maior Exame do mundo. E também para o ENADE, que envolve milhares de universitários. Como curiosidade, o maior exame do mundo é o GAOKAO, na China, uma prova colossal, aplicada para aproximadamente 9 milhões de estudantes de uma só vez. É o ENEM de lá, e única chance de entrar em uma faculdade.

Já o ENEM mesmo tem cerca de 6 milhões de inscritos.

Vamos então dar uma olhada nos números mais "modestos" da OAB, que, provavelmente, é a maior prova de seleção profissional do mundo.

Números do Exame de Ordem

A prova da Ordem é aplicada em 168 polos diferentes, em um total de 173 escolas distribuídas por todo o Brasil.

São utilizadas 2.969 salas para a aplicação das provas.

Na 1ª fase a FGV contrata 7.275 fiscais para vigiar os alunos. Esse número explica os vários casos de equívocos e abusos cometidos por fiscais. É gente demais para que nada de errado não ocorra.

Neste aspecto, aliás, a OAB deveria padronizar ao máximo o treinamento de todos, especialmente instruí-los quanto aos vade mecuns, a parte mais sensível das duas fases.

Já na 2ª fase a quantidade de fiscais cai um pouco: 4.012.

Além disto, a OAB aloca mais 3.395 fiscais advogados em cada prova objetiva, para exercer um controle mais técnico na aplicação da prova.

São 257 coordenadores de prova na 1ª fase.

Enquanto a 2ª fase tem 244 coordenadores.

Por fim a 1ª fase ainda demanda 1.074 outras pessoas envolvidas no processo de gestão e aplicação da prova.

Curiosamente, a 2ª fase exige um número maior de pessoas extras envolvidas: 1.848.

Quantidade de provas

A FGV imprime, na média, 123 mil provas na 1ª fase. O que representa aproximadamente 400 mil provas aplicadas por ano.

Cerca de 77.800 provas são impressas para a aplicação da 2ª fase.

A FGV e a OAB emitem 300 passagens aéreas e reservam 300 hospedagens em hotéis por prova.

Aqui vem a parte mais interessante: a elaboração das questões para as provas.

São preparadas 300 questões para a prova objetiva, sendo que 80, é claro, são escolhidas para fazerem parte da prova.

E são elaboradas 60 questões para a 2ª fase, aqui contando todas as disciplinas, o que dá uma média de 8,57 questões por disciplina.

São elaboradas 30 peças diferentes para a prova subjetiva, o que dá uma média de 4,28 peças por disciplina.

O processo de elaboração das questões é complexo. A FGV elabora primeiramente peças e questões, depois uma comissão da OAB analisa tudo cautelosamente. Depois sugestões de aperfeiçoamento, ou mesmo exclusão questões inapropriadas, são feitas, para depois passarem por uma nova análise e, finalmente, integrarem um banco de dados.

Deste banco de dados um sistema escolhe, de forma aleatória, o que vai efetivamente integrar a prova. Ou seja: quem elabora as questões não sabe o que vai cair na prova. Aliás, nem o pessoal da Ordem sabe.

Tudo faz parte de um processo de segurança para evitar fraudes.

Na 2ª fase temos a correção de quase 70 mil provas (em uma média).

São 165 corretores dessas provas de 2ª fase. Os corretores são as pessoas mais amadas e odiadas pelos examinandos Brasil afora. Por 3 semanas as orações e pensamentos são direcionados para eles. A carga espiritual envolvida é intensa.

Aqui uma informação que muitos queriam saber, inclusive eu, e não tínhamos para quem perguntar: em cada 2ª fase são interpostos quase 44 mil recursos. Ou seja: praticamente quase todos que reprovam recorrem.

 

Isso significa dizer que a taxa de sucesso dos recursos é muito baixa. Entre 1.500 e 2.000 recursos são providos a cada edição, mostrando um rigor espartano da banca na análise dos recursos.

Há, é claro, um seguro para caso de cancelamento da prova. Afinal, cancelar uma prova custa caro em razão da necessidade de reaplicação. E tudo tem um custo bem elevado.

Mas nada que não possa ser pago! A OAB deve ter arrecado uns R$ 31 milhões com as inscrições no XXVII Exame de Ordem. Basta multiplicar o número médio de inscritos por prova (120 mil, na média) com o valor da inscrição (R$ 260,00) para chegar a essa fabulosa quantia.

Existem sérias preocupações com a segurança e impressão das provas, ajudando a aumentar o custo final da prova.

Sim, a inscrição custa os olhos da cara! Mas o processo de elaboração, aplicação e correção das provas é bem complexo. E, sem dúvidas, demanda uma grande operação de logística.

Mas, ainda assim, certas ponderações precisam ser feitas:

1 - Ainda que a logística seja imensa, o Exame de Ordem, por suas polêmicas e falhas ainda está longe de ser uma prova perfeita. Se não é perfeita, não pode ser tão cara;

2 - A qualidade das correções das provas subjetivas deixam muito, mas muito a desejar. Acompanho de perto essas correções há mais de uma década e afirmo com tranquilidade que tais correções podem ser chamadas, e com MUITA boa vontade, de razoáveis para ruins. Pagar R$ 260,00 para passar raiva (e dezenas de milhares passam a cada edição do Exame) é essencialmente injusto;

3 - Existe, e isso é um FATO, lucro com a aplicação da prova. Evidentemente, a FGV tem o direito de ter uma receita com sua aplicação, mas a OAB poderia aplicar a prova sem retirar também a sua parcela (tanto o CFOAB como também as seccionais faturam com a prova);

4 - Na realidade, o custo operacional deveria considerar o fato de que R$ 260,00 é muito dinheiro para uma parcela significativa dos examinandos. Claro, a OAB não recebe custeio do Estado e precisa manter a operação, mas sem ambicionar receita extra com ela;

Uma observação importante: a OAB divulgou o seu contrato com a FGV. Eu mesmo nunca o vi. Quanto custa mesmo a operação? Quanto fica com cada um? Qual é o tamanho REAL do lucro com cada edição?

Essa falta informações abre margem para tais questionamentos e permite argumentos no sentido de se reduzir o valor da inscrição.

Não só acho que a prova poderia ser melhor (para mim o tempo da FGV já passou) como também a inscrição poderia ser mais em conta. Ao menos, se tivéssemos os dados expostos de forma aberta, teríamos um debate franco sobre a questão, relevante para mais de 100 mil examinandos a cada edição da prova.