Como a graduação online vai arruinar o ensino jurídico no Brasil

Sexta, 27 de agosto de 2021

Como a graduação online vai arruinar o ensino jurídico no Brasil

Acompanho há 11 anos a questão do Ensino Jurídico no país, tanto em relação a sua expansão como também por sua qualidade.

As recentes notícias reportando as várias autorizações de criação de cursos de Direito na modalidade a distância não representam uma novidade. Essas autorizações vêm sendo gestadas há muito tempo, assim como muitas outras serão autorizadas em um curto lapso temporal.

A migração do ensino presencial para a graduação online é simplesmente inevitável, resultado de uma forte e ininterrupta ação do grande empresariado da área educacional. Essa ação inclusive foi mais forte do que a própria atuação da OAB, única entidade no país que efetivamente tentou impedir a expansão desenfreada dos cursos de Direito.

As entidades da Defensoria Pública, Magistratura, Ministério Público, professores universitários, até onde acompanho, nunca participaram da luta para evitar a explosão de cursos. A OAB sempre lutou sozinha.

E se não fosse a Ordem já estaríamos falando na implementação da graduação online há pelo menos uns sete anos.

Infelizmente, ao final, Ordem perdeu, assim como ensino jurídico.

A atual marcha é inevitável, e produzirá no mercado e na formação dos futuros bacharéis um forte impacto.

Essa percepção é tem correlação algum, e é importante consignar isso, com o ensino online tomado em si mesmo. Ter aulas à distância, no conforto de casa, não é em si um problema.

E qual seria o problema?

A realidade do ensino jurídico hoje pode ser explicada da seguinte forma:

1 - De 1995 até hoje o MEC vem autorizando uma ampla expansão do ensino superior como um todo, não só do Direito;

2 - O FIES funcionou como um forte instrumento de fomento desse mercado, permitindo que milhões pudessem finalmente realizar o sonho do ensino superior.

3 - Contudo, isso foi feito sem ANTES o Estado estruturar o ensino fundamental e médio, majoritariamente precários no país. Como resultado, as instituições de ensino superior precisaram aceitar estudantes sem uma boa base educacional.

4 - Com a expansão desenfreada e crédito abundante (primeiro oficial, e depois, privado) o número de estudantes cresceu proporcionalmente, resultado de uma intensa e predatória competição entre os grupos empresariais da educação.

5 - O valor das mensalidades vem caindo constantemente, resultado do processo competitivo entre as instituições.

6 - A qualidade do ensino foi impactada, foi em muitas instituições simplesmente não há reprovação de alunos. Como o grande objetivo é se formar, uma reprovação representa para a instituição a perda potencial de um aluno, que teria (e tem) a maior facilidade em migrar para outra instituição concorrente.

7 - Essa realidade foi denominada por vários presidentes da OAB (Ao menos Antônio Busato, Cezar Britto, Ophir Cavalcante, Marcus Vinícius Furtado Coelho e Cláudio Lamachia) de "estelionato educacional". As instituições fingem que ensinam e os estudantes fingem que aprendem. Ao final, uns ficam com o diploma e outros com o dinheiro.

E o que vai acontecer com a superveniência do ensino jurídico online?

Quais serão as consequências considerando o atual momento e a perspectiva de uma enxurrada de novas autorizações?

1 - Teremos uma brutal redução dos custos operacionais das instituições. Manter um curso na modalidade online é muito mais barato. Brutalmente mais barato. Não são mais necessárias estruturas físicas imensas e seu custo de manutenção, nem uma legião de empregados, e também o correlato custo deles.

2 - Na lógica da redução de custos, os professores de Direito inevitavelmente serão impactados. Como as aulas serão gravadas, o conteúdo de uma aula poderá ser replicado por anos. As demissões na área serão consideráveis. Logo após a reforma trabalhista de 2018, por exemplo, foram muitas as demissões em faculdades Brasil afora. Apenas um exemplo de que o custo da operação é o que de fato mais importa.

3 - Logo, quase TODOS os cursos vão migrar para o online. É inevitável por uma simples questão de caixa (e disputa de espaço com a concorrência).

4 - Se a operação é mais barata e se a concorrência mais feroz (e agora, sem fronteiras, pois se o curso é 100% online as fronteiras deixarão de existir, e os futuros estudantes poderão cursar qualquer curso em qualquer lugar) o valor da anuidades sofrerá uma grande redução. A competição será por preço!

Observação importante: Como as aulas serão gravadas, e também como as instituições trabalharão no volume, todas as graduações irão procurar os grandes expoentes do mercado. Em termos de qualidade de professores, a disputa será bem parelha pelo simples fato disto, com as gravações, vir a se tornar algo perfeitamente possível. É uma ilusão achar que neste aspecto teremos diferenciações no mercado.

5 - Cursar Direito vai ser a coisa mais fácil do mundo. Fácil e barata! Teremos uma explosão de estudantes! O curso de Direito será, com larga margem, a maior graduação do país. Aliás, as autorizações recentes dadas pelo MEC foram feitas com um número de vagas que representam ao menos o triplo em comparação ao autorizado para instituições presenciais. A quantidade de vagas tende a passar por forte expansão.

6 - Os VÍCIOS e defeitos já existentes HOJE vão PIORAR com a graduação online. O nível de cobrança da qualidade dos estudos será, possivelmente, muito mais flexíveis do que jamais foram. Afinal, a lógica de não perder um aluno (um pagador) não vai ser alterada em nada. 

7 - Ou seja: não será uma questão dos alunos terem bons professores, mas sim de quase uma ausência de controle sobre os estudantes e a qualidade do ensino. A atual lógica empresarial não vai mudar só porque a plataforma de ensino deixará de ser presencial para ser online.

Uma dúvida pessoal: Eu não sei como será o comportamento dos estudantes ao longo de 5 anos de estudos online. Aqui, de fato, tenho uma incógnita. A média dos estudantes atuará de forma focada ao longo deste tempo todo? Sem o estímulo do contato com professores e colegas de sala? Neste aspecto não consigo pensar quais seriam as consequências.

Em que pese toda a minha crítica, reconheço que chegamos a uma quadra não só inevitável como também irreversível.

Um novo futuro começou agora. É o que temos.

Evidentemente nem todo o mercado será online. Um universo de estudantes, impossível de delimitar agora, ainda preferirá o ensino presencial. Serão os cursos mais caros e elitizados. Contudo, a grande massa tende a ir para o online, especialmente em função do custo.

Ao estudante de Direito fica uma séria orientação: a graduação, agora mais do que nunca, dependerá exclusivamente do SEU próprio interesse e de SUA cobrança pessoal.

O mercado continuará sendo o mercado. Ou seja: as exigências continuarão as mesmas, e ter uma boa qualificação é fundamental para se conquistar um espaço.

A lógica é simples e linear: boa formação é igual a mais oportunidades. Uma má formação cobra seu próprio preço.

O ensino jurídico há muito tempo virou mercadoria, e ter cuidado com essa VERDADE é fundamental na hora de se escolher como estudar o curso de Direito.

Ignorar essa premissa pode custar muito caro em termos de sonhos, tempo e dinheiro.