XXI Exame de Ordem: recurso para a questão da blitz de policiais militares

Segunda, 28 de novembro de 2016

Os professores Geovane Moraes e Ana Cristina elboraram um recurso para a questão da blitz dos policiais militares, 67 da prova Amarela. Confiram:

GABARITO PRELIMINAR DIVULGADO PELA FGV: B

GABARITO QUE ENTENDEMOS ACERTADO: C

Comentários que apresentamos logo na divulgação de nosso gabarito extraoficial:

Embora o Código Penal Militar preveja o crime de corrupção passiva militar, em seu artigo 308, este crime não contempla a 'solicitação de vantagem, razão pela qual aplica-se o crime de corrupção passiva prevista no CP (art. 317)

Sendo ambos os crimes abuso de autoridade e corrupção passiva são de competência da justiça comum estadual.

OBSERVAÇÃO: entendemos que a prova não poderia exigir do candidato peculiaridades quanto à configuração de crimes militares e, não tendo sido indicado no enunciado a prática expressa de crime militar deveríamos considerar a corrupção, além do que foi antes mencionado, também por este motivo, como crime comum.

RAZÕES DE RECURSO

Inicialmente cumpre ressaltar o equívoco da banca examinadora em exigir do candidato conhecimento específico sobre direito penal militar. A legislação penal e processual penal militar é de cunho específico, jamais exigida em qualquer certame senão com menção expressa em seu edital, o que não é o caso do edital do XXI Exame de Ordem, tanto quanto não o foi em qualquer outro que o precedeu.

É certo que os examinadores, quando da elaboração do enunciado da questão, provavelmente pensaram ou tinham por intenção apresentar ao candidato uma questão que versasse sobre a separação obrigatória de processos em caso de conexão entre crime comum e crime militar (art. 79, I, do CPP). Contudo, para tanto, seria necessário que o enunciado (diante da absoluta impossibilidade de cobrança do CPM) indicasse de forma clara e isenta de qualquer dúvida a prática de crime militar, o que, de fato, não ocorreu.

Além disso, devemos nos lembrar de que para a configuração de crime militar não basta que quem o tenha praticado seja militar. É preciso, diante na estrita legalidade que orienta o direito penal (comum ou militar), que o crime esteja previsto expressamente no Código Penal Militar, lembrando ainda que em Direito Penal não se pode fazer interpretação extensiva ou analogia in malam partem.

Observando a questão apresentada, na qual policiais militares, em uma blitz, param Luana e Carla e, as levando para dentro do quartel, lá SOLICITAM vantagem indevida, não há dúvidas de que havia, realmente, ocorrido crime de corrupção passiva.

A dúvida que se perfaz diz respeito ao fato da conduta praticada caracterizar o crime de corrupção passiva do Código Penal comum (art. 317 do CP), ou se estaria inserido no crime de corrupção passiva militar (art. 308 do CPM).

Destaque-se que o enunciado indica que a SOLICITAÇÃO ocorreu dentro do quartel, contudo, incorreu em absoluto equívoco a banca examinadora quando indicou que os policiais teriam "solicitado" a vantagem.

De fato, o Código Penal Militar (CPM), em seu artigo 308, tipifica o crime de corrupção passiva militar, que consiste, em ?RECEBER, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou ACEITAR promessa de tal vantagem?.

Perceba que, o CPM não tipifica a conduta de "SOLICITAR".

Novamente reiteramos a impossibilidade de interpretação extensiva ou analogia em Direito Penal.

Confirmada a intenção de solicitar às vítimas vantagem indevida, a tipificação é do crime de corrupção passiva previsto no artigo 317 do Código Penal (CP), sendo mesmo indiferente a condição de policial militar dos agentes públicos acusados, ou mesmo o fato de se encontrarem dentro da unidade, por falta de previsão típica expressa na Legislação Penal Militar. NÃO HÁ ADEQUAÇÃO TÍPICA AO CPM.

Já a corrupção passiva do art. 317 do Código Penal apresenta como núcleos verbais: "SOLICITAR, RECEBER ou ACEITAR vantagem indevida, ainda que fora da atividade profissional, ou antes, de assumi-la, desde que em razão dela". Isto é, na modalidade da corrupção passiva, o corruptor deve ter a iniciativa, diferente do disposto no Ordenamento Penal Militar, em que não há o verbo "solicitar", mas, tão só, "receber".

Logo, além da impossibilidade de cobrança de conhecimento específico sobre a legislação penal e processual militar, resta extreme de dúvida que, na hipótese, a competência é da Justiça Comum Estadual para o processo e julgamento do crime de corrupção praticado pelos policiais na hipótese e não da Justiça Militar.

Neste sentido, vejamos, dentre outros possíveis, o recente julgado do STJ:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ARTS. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, E 317, § 1º, TODOS DO CP.

ALEGAÇÃO DE CRIME MILITAR E DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE AFASTADA. RECONHECIMENTO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DA CONDUTA DE SOLICITAR. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DO NÚCLEO NO TIPO PREVISTO NO CÓDIGO PENAL MILITAR. APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL. CORREÇÃO DO ENQUADRAMENTO TÍPICO PELA VIA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICA. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Reconhecido no Tribunal de origem que o núcleo do tipo praticado foi a "solicitação" e uma vez não tipificada a citada conduta no art. 308 do Código Penal Militar, infere-se que não se trata de crime militar, devendo ser aplicado o art. 317 do CP diante da adequação típica de subordinação imediata, o que afasta, por consequência, a competência da Justiça especializada, consoante art. 125, § 4º da CF.

2. Inexiste nulidade do processo, em razão de que compete à Justiça Federal processar e julgar crime de corrupção passiva conexo aos crimes de descaminho e contrabando, de competência federal, ainda que praticado por militar no exercício da função, nos termos do art. 109, IV, da CF e da Súmula 122 desta Corte.

3. Reverter a constatação do Tribunal de Justiça demandaria profundo reexame de prova, o que não é possível analisar por meio de habeas corpus.

4. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos.

5. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no HC 347.091/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 15/08/2016)

Pelos motivos expostos acima, indiscutível a necessidade de ANULAÇÃO da referida questão.