Quem tem medo das mulheres no Direito?

Terça, 21 de março de 2017

Quem tem medo das mulheres no Direito?

Na última sexta-feira ocorreu em Brasília a "Conferência Distrital da Mulher Advogada". Com o slogan "Elas sabem o que falam", o encontro contou com 88 palestrantes mulheres em 18 painéis temáticos para discutir importantes temas jurídicos atuais.

Detalhe: não foi um evento para discutir problemas específicos das mulheres, mas sim o posicionamento delas, e somente delas, diante de assuntos corriqueiros (e importantes) do Direito.

Resumindo: foi um tremendo evento! E o foi porque seu foco foi o de mostrar, exatamente, a capacidade teórica e técnica das profissionais. Uma forma prática de explicitar que as mulheres não ficam atrás dos homens nesses quesitos.

Infelizmente, ainda hoje, é preciso chamar a atenção para demonstrar que homens e mulheres são simplesmente equivalentes em termos de capacidade profissional, ESPECIALMENTE em relação a profissões que envolvam especificamente o intelecto.

E, mais do que infelizmente, ainda hoje existem HOMENS que recusam aceitar a igualdade de gênero. HOMENS que, por alguma razão obscura (e histórica), têm algum tipo de medo ou ressalva quanto à ideia das mulheres poderem ocupar espaços iguais com os próprios homens.

Essa misoginia, forjada ao longo de muitos e muitos milênios, veio sendo debelada com mais intensidade a partir da revolução industrial, sendo absolutamente inaceitável agora, na pós era espacial: a era da comunicação instantânea.

É inaceitável, mas ela existe.

Várias participantes do evento relataram diversos episódios de discriminação e ofensas por conta da conferência. Comentários feitos com o fito de reduzir o papel e a condição feminina. Reduzir a importância da mulher para o Direito.

O problema veio a tona quando a vice-presidente da OAB/DF, Drª Daniela Teixeira, postou uma foto em seu facebook. Ela teria recebido a mensagem "Concurso de miss", em uma clara tentativa de reduzir sua representatividade e seu papel de organizadora da Conferência:

daniela teixeira conferencia

Não só a vice -presidente foi atacada, como também outras advogadas também foram.

A jornalista Ivy Farias, uma das palestrantes, narrou com exclusividade para o Blog como alguns dos atos discriminatórios foram feitos:

"Karina Kufa é uma advogada especialista em Direito Administrativo e Eleitoral. Quando ela e eu fomos convidadas pela OAB/DF para participar de uma mesa sobre a sub-representação política da mulher aceitamos na hora. Não recebemos um real, bem como nenhuma das outras palestrantes da I Conferência Distrital da Mulher Advogada.

E por que fomos? Porque "sonho que se sonha só é só um sonho e sonho que se sonha junto é realidade". Nós sonhamos e lutamos com a igualdade de gênero em nosso país e acreditamos que um bom passo a avançar é na advocacia.

E, de fato, avançamos. A Ordem dos Advogados do Brasil abriu suas portas para as mulheres no dia 17 de Março. Na hora que cheguei, um senhor me disse:

- Estou tão feliz pela OAB estar fazendo isso. A OAB tem que ser lugar de debates. Aqui vocês irão longe!

Eu não poderia estar feliz: quem é uma soteropaulistana que cresceu ouvindo Legião Urbana ouvir isso em pleno Planalto Central foi demais. Estava vivendo um sonho: painéis tão ricos, a Carta da Mulher Advogada, o presidente da OAB/DF dizendo ao vivo e a cores que ali era a casa de advogadas e advogados me fez pensar que o futuro já é presente em Brasília.

Não se passaram nem 19 horas para vivenciar um verdadeiro pesadelo: após o sucesso do evento, nós, mulheres palestrantes e organizadoras, recebemos mensagens nos desqualificando como profissionais. Uma delas, inclusive, foi veemente agredida dizendo que ela não deveria ter ido até Brasília dividir seu conhecimento.

Foi tanto trabalho, é tanto trabalho e vejo que será ainda mais trabalhoso ser mulher e advogada (não sou, me formo no ano que vem) porque a sociedade se recusa a ver o papel que a OAB tem, que é de ser uma zeladora do Estado Democrático de Direito. E este Estado pressupõe a igualdade de gênero. E não fui eu que inventei este conceito, foi a Constituinte.

A vice-presidente da OAB/DF, Daniela Teixeira, me recebeu de braços abertos. Bem como todas as mulheres brasilienses- e aqui cito a Renata Cysne, que me mostrou Brasília enquanto ouvíamos "Metal Entre as Nuvens". E, claro, do presidente Juliano, que me agradeceu pela presença (!!!).

As ofensas incluem palavras de baixo calão. Meu espanto é ver que os homens não se reconheçam como sujeitos de mudanças. E insistam que o Brasil é um país sem ter metade de mulheres da população. E que gostariam que, em Brasília seja sempre 19h."

Os ataques, inexplicáveis, geraram um texto de repúdio, assinado por dezenas e dezenas de advogados.

Confiram:

"Elas sabem o que falam? e você deveria ouvir

No último dia 17 de março, foi realizada a I Conferência da Mulher Advogada da OAB/DF. Com o nome "Elas sabem o que falam", a Conferência contou com a participação de 102 palestrantes, 50 colaboradoras e mais de 700 participantes. Foram 10 horas de Conferência, em 18 painéis sobre variados temas de interesse da sociedade e da academia jurídica, debatidos por ministras, desembargadoras, juízas, procuradoras, promotoras, defensoras públicas e advogadas altamente especializadas.

A conferência foi muito bem recebida pela advocacia, pela comunidade jurídica e pela sociedade como um todo.

No entanto, no dia seguinte à Conferência, nos deparamos com reações negativas, ultrapassadas e machistas, realizadas nas redes sociais, com ataques dirigidos nominalmente à pessoa da Vice-Presidente da OAB/DF, Daniela Teixeira, mas que consideramos endereçados a todas as conselheiras, advogadas, juristas e a todas as mulheres que ousaram fazer uma Conferência.

As ofensas revelam o incômodo de alguns com a realização do evento, com a visibilidade dada às demandas por paridade de gênero, do debate público sobre violência contra a mulher, e, sobretudo, o incômodo de alguns ao ver mulheres como protagonistas no espaço político e no debate público.

Quando uma pessoa se sente à vontade para fazer um comentário comparando a Conferência a um concurso de "Miss", vemos a medida da importância e da necessidade da realização de eventos que assegurem lugar de fala para as mulheres e que contribuam para a afirmação pública de sua dignidade.

Posturas ofensivas e tentativas de reduzir as mulheres a atributos relacionados ao seu corpo constituem um artifício retórico e uma estratégia política machista voltadas a tentar afastar as mulheres do espaço público. Repudiamos veementemente essas estratégias e atitudes. O fazer político deve se dar com respeito.

Comentários desrespeitosos e preconceituosos não passarão despercebidos, pois constituem uma ofensa às mulheres da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição comprometida com os direitos, com a diversidade e com a democracia.

A realização da Conferência foi um sucesso e até mesmo as reações negativas corroboram a importância de sua realização.

O tempo em que a Ordem dos Advogados do Brasil era um espaço exclusivo dos homens ficou no passado e a existência de divergências políticas não autoriza atitudes e falas desrespeitosas e machistas.

A OAB que queremos e pela qual trabalhamos é a OAB do dia 17 de março: plural, de portas abertas, conectada com a sociedade e com participação ativa das mulheres, de todas elas: com salto, sem salto, de turbante, sem turbante, cis, trans, de cabelos brancos, loiras, negras. Não há espaço para retrocessos, somente para avanço. Avanço na diversidade e no respeito.

Sabemos o que falamos e exigimos respeito. Respeito às mulheres que ousam ocupar espaços de liderança, às mulheres que fizeram a Conferência, organizadoras, palestrantes e participantes. Respeito, enfim, a todas as mulheres.

Tire o seu preconceito do caminho que vamos passar com toda a nossa competência e elegância. Elas sabem o que falam e você deveria ouvir!

Alessandra Camarano Alexandra Tatiana Moreschi de Albuquerque Aline Guida de Souza Aline Guida de Souza Aline Woo Ana Cláudia Santano - PR Andre Lopes Andreia Araújo OABPI Antonio Rodrigo Bernadete dos Anjos Camila Gomes Carina Reis Carla Gehlen Carla Karpstein OABPR Carla Rodrigues Carolina Lisboa Carolina Petrarca Cecilia Queiroz Christiane Nobrega Clay Costa Cleider R Fernandes Cristiane Britto Cristiane Damaceno Cristina Aragão Cristina Tubino Daniela Teixeira Débora Vicente - RS Denise Fonseca Denise Rodrigues Dionne Felipe Elaine Harzheim Macedo Eliane Monteiro Cesário Elizabeth Ribeiro Eneida Desiree Salgado Erika Vieira Estefânia Viveiros Ewan Teles Aguiar Felipe Bayma Fernanda Gonzalez Fernando de Assis Bontempo Fernando Martins Flavia Ramos Flaviana Moura Gabriel Ribeiro Geórgia Nunes - PI Glauco Santos Graciela Slongo Hellen Falcão Iara Bastos Ibanes Rocha Igor Carvalho Ildecer Amorim Indira Quaresma Isabel Mota - CE Isabela Aysha Israel Mascarenhas Ítalo Marciel Magalhães Ivy Farias Jacques Veloso Janene Massuda João Paulo Amaral Juliana Freitas -PA Juliana Navarro Juliano Costa Couto Kacilia Bayma Karina Kufa OABSP Karla Sousa Maximo Gomes Kleyne Karenina Leandro Daroit Lenda Tariana Leonardo Mundim Liliana Marques Liliana Marquez Lucelia Sabino OABTO Lucia Bessa Luciana Lóssio Luciana Muniz Luiz Gustavo Muglia Magaly A A Palhares de Melo Maíra Calidone Rechia Bayod Manuella Nono Mara Celia OABRO Marcela Furst Marcelo Lucas de Souza Marcelo Martins Mariana Prado Velho Mariele Paniago OABMG Marília Brambilla Marília Mesquita Marília Ribas Marisa Amaro-SP Marta Simões Mayta Versiani Og Pereira Patrícia Garrote Paulo Renan Pedro Young Pierre Tramontini Polianna Pereira dos Santos, OAB MG Rachel Bernardes Rafaela Coimbra Raquel Magalhães Renata Cezar - SP Renata Roman OABMG Renata Vianna. Roberta Silva Rubia Gonçalves Gabriel Samia Jabor Pinheiro Silvia Burmeister Solange Clarett Cavalcante Stephanie Batista da Mata Talita Lacerda Thais Maia Thalita Abdala Aris Thalita Capucho Thatyana Gitton Thayrane Silva Thiago Machado Valeria Bilaffan Valeria Guimaraes Vanessa Machado Vânia Siciliano Aieta OAB/RJ Viviane Macedo - MG Vivianne Oliveira Wanderson Menezes Wendel Faria Wesley Bento Sueny Almeida Mariana Prado Velho Pedro Sabo Mendes Maurício Correia da Veiga Claudio Santos Kildare Meira Wendel Faria Edvaldo Nilo Alceste Vilela Jr. Dino Andrade Renato Leal Alinne Marques Bernadete dos Anjos Leonor Ribeiro Antonio Alves Filho Fabiana Soares Eneida Desiree Salgado Thalita Abdala Aris Carla Nicolini Kalin Rodrigues Julia Rocha de Barcelos Gabriela Rollemberg Daniela Fonteles Amanda Avelino Paloma Pereira Santos

O futuro, para quem não sabe, será das mulheres, especialmente na advocacia.

Não se trata de um chute ou de um exercício abstrato de futurologia: a assertiva tem base estatística!

As mulheres JÁ SÃO maioria na advocacia dentro na faixa etária compreendida entre os 20 aos 40 anos. Ou seja, a jovem advocacia em peso tem como maioria as mulheres. A ocupação dos espaços políticos por elas é simplesmente inevitável.

A informação pode ser vista no quadro de advogados do site do CFOAB - Quadro de Advogados

Isso é apenas uma derivação de um fenômeno que já é visto amplamente nas faculdades: as mulheres são a maioria.

Mulheres são maioria entre os inscritos no ProUni; Direito é o curso mais disputado . Mulheres são minoria em apenas cinco carreiras As mulheres (dados de 2013) representam 55% dos estudantes de Direito atualmente. Talvez mesmo um pouco mais. Ou seja: o Direito se tornou uma carreira FEMININA! Assim sendo, é natural antever algumas obviedades. A mais explícita é: quem for contra as mulheres no mercado (advocacia e concursos) vai ser DISCRIMINADO exatamente por ser preconceituoso. Mais! Os misóginos serão EXPULSOS de grupos políticos da OAB porque a pressão excluí-los será imensa. NINGUÉM tem hoje condições de bancar profissionais quem desrespeitam a mulher no mercado de trabalho. Eu não acho isso: trata-se de um fato inexorável. Ainda hoje, curiosamente, as mulheres são minoria nos quadros da OAB, assim como na política tradicional. Mas esta assimetria tem seus dias contados, pois o empoderamento feminino avança lenta, mas de forma consistente. Quem tem medo de mulher deveria se dar conta de que este medo, ao fim, vai lhe tirar os espaço político e, por que não, profissional. Assim será o futuro, e não é preciso bola de cristal para ver isto.