Projeto eleitoreiro tenta criar a figura do paralegal com prerrogativas próprias dos advogados

Terça, 22 de julho de 2014

A Agência Senado divulgou ontem uma matéria tratando da criação da figura do "assistente jurídico", ou paralegal, com uma série de prerrogativas que são de arrepiar a espinha de qualquer advogado.

Vejam a matéria do Senado, depois o projeto e, ao fim, minhas considerações:

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Projeto cria carreira de assistente de advocacia para graduados não aprovados no Exame da OAB

Um projeto recém-apresentado pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) cria uma nova alternativa para graduados em Direito que são proibidos de exercer a profissão de advogado por não cumprirem o requisito de aprovação no Exame da OAB. De acordo com o PLS 232/2014, esses bacharéis poderão atuar como assistentes de advocacia, prestando auxílio aos advogados, que ficariam responsáveis por sua supervisão, ou ainda como mediadores.

Ao justificar a proposta, Crivella argumenta que os bacharéis não aprovados no Exame da OAB podem ser encarregados de tarefas como levantar fatos e provas; fazer contato com clientes; organizar reuniões; e auxiliar em questões de informática e administração interna.

Segundo o autor, a profissão de assistente de advocacia inspira-se em atividades semelhantes existentes nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Nos EUA, onde são conhecidos como "paralegals", esses profissionais somam quase 280 mil.

Pelo projeto, os assistentes de advocacia seriam inscritos em quadro próprio na OAB, pagando anuidade correspondente a 60% do valor devido pelos advogados. Eles também poderiam integrar sociedades de advogados e receber honorários.

Entidades representativas estimam que existam no Brasil pelo menos 2 milhões de bachareis em Direito sem carteira de advogado, o que, segundo Crivella, tornou-se um importante problema social. "A maioria jovens, sem profissão definida, com baixa autoestima e uma velada reprovação familiar. O problema não é mais pessoal, mas sim social. O trabalho como assistente pode ser uma alternativa", diz o senador.

O PLS 232/2014, que aguarda apresentação de emendas antes de ser distribuído a relator, tramita em caráter terminativo na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Exame de Ordem

O Exame da OAB é tema de vários projetos em tramitação no Senado. O PLS 397/2011, do senador Eduardo Amorim (PSC-SE), propõe validade de três anos para a primeira etapa do exame (prova objetiva), o que permitiria a candidatos aprovados nessa fase entrar diretamente na segunda (prova prático-profissional). Atualmente, a OAB prevê o aproveitamento do resultado na primeira etapa somente no exame subsequente.

O projeto aguarda votação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), onde tem parecer favorável da relatora, Ana Amélia (PP-RS).

A proposta mais polêmica, porém, é a simples extinção do exame, prevista na PEC 1/2010, do ex-senador Geovani Borges. Pela proposta de emenda à Constituição, o diploma de graduação legalmente reconhecido é suficiente para a atuação profissional. A PEC foi rejeitada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em 2011, mas houve interposição de recurso para que fosse votada em Plenário, o que ainda não ocorreu.

Fonte: Agência Senado

Vamos dar uma olhada no projeto:

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Nítido, explícito e, da forma mais descarada possível, um projeto eleitoreiro. Não por acaso, o Senador Crivella é candidato ao Governo do Rio de Janeiro:

Candidatura de Crivella ao governo é oficializada em convenção do PRB

E o aspecto eleitoreiro é tão evidente porque apresenta uma série ABSURDA de inconsistências que vulneram a advocacia e o próprio sentido do Exame de Ordem. Reparem só:

1 - Paralegal pode juntar fatos e provas?

2 - Pode receber honorários?

3 - Integrar sociedade de advogados ( se não não advogado, como integrar uma sociedade de advogados? Paradoxal!)

O senador não está tentando criar a figura do paralegal, e sim a  figura do "semi-advogado", deferindo uma série de benefícios indevidos a quem efetivamente não é advogado.

Não sou contra o paralegal, mas este nem de perto pode ter as prerrogativas e direitos de um advogado. Para isto é preciso passar antes no Exame de Ordem.

O paralegal deve ter, operacionalmente falando, tão somente as mesmas prerrogativas que hoje tem um estagiário, exceto podendo atuar após a conclusão de seu curso.

E, vamos combinar, NINGUÉM quer ser paralegal.

E aí entra o problema, o problema de FATO que NENHUM parlamentar tem coragem de enfrentar: a explosão do número de faculdade de Direito no país e, acima de tudo, a péssima qualidade da maioria.

Nisso ninguém bota a mão.

O mercado de trabalho para os hoje advogados já está precarizado, ao ponto de existirem ofertas de salário beirando o mínimo em muitas regiões, afora as péssimas condições de trabalho.

Recebi o comentário abaixo de uma jovem advogada, indignada com esse projeto:

Tem um amigo meu dizendo que se isso for aprovado, larga a profissão. Eu passei no IX exame e estou tendo uma dificuldade monstro para entrar no mercado de trabalho.

Parece que meu esforço não valeu a pena.

Evidentemente, o senador ignora por completo a realidade profissional na advocacia:

32,9% dos advogados estão insatisfeitos com renda na área jurídica

A OAB perdeu o controle sobre a publicidade na advocacia?

"Iniciei na advocacia e estou desgostosa com minha profissão, sem nenhum prazer em trabalhar. O que faço?" 

"Contrata-se Advogado. Remuneração: um salário mínimo"

O ?advogado-sanduíche?, ou, como NÃO fazer o seu marketing profissional

Governo de Sergipe abre concurso para advogado e oferece salário de FOME!

O fundo do poço: a realidade de um mercado em que um advogado recebe R$ 20,00 para fazer uma audiência

Hoje, com o Exame de Ordem, os advogados estão passando por imensas dificuldades, imaginem sem a prova da OAB. Não está, evidente, fácil para ninguém, e criar uma classe de "semi-advogados", com direito inclusive a honorários (isso é verdadeiramente risível) soa como uma piada de um político desconectado com a realidade.

 Soluções de verdade, de intervenção no ensino jurídico, fiscalização séria por parte do MEC sobre as faculdades (o que não existe), ninguém ousa sequer propor.

O sistema, evidentemente, vive uma crise e as soluções não são fáceis ou agradáveis. E agora, em pleno período eleitoral, um projeto eleitoreiro como este serve tão somente para mostrar que ninguém quer de fato resolver nada.

Apenas ganhar uns votinhos em outubro próximo.

Aliás, falando nisto, a figura do paralegal, na prática, já existe aqui no Brasil.