O fundo do poço: a realidade de um mercado em que um advogado recebe R$ 20,00 para fazer uma audiência

Terça, 29 de outubro de 2013

Lex mercatoria - a lei do mercado - oferta e procura no mercado da advocacia. O que isso tem causado na classe?

Recebi o e-mail de uma advogada do Rio de Janeiro e estabeleci com ela um diálogo sobre a atual condição dos jovens advogados naquela cidade. Curiosamente, na última quinta-feira eu fui ao Rio de Janeiro e conversei com algumas pessoas que confirmaram a história.

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Vamos a conversa:

Boa Tarde Mauricio,

Hoje olhando algumas noticias da OAB, li que a OAB RJ estava preocupada com os profissionais se oferecendo a 20 reais. Como advogada minha preocupação não é por 20 reais, mas pela desvalorização da profissão. Vejo que o blog é um canal de apoio aqueles que buscam a tão sonhada carteira. Mas vejo que é desde a universidade ou cursinho e porque não canais de informações como o seu para começar um trabalho de valorização da profissão, do recém formado e porque não dos próprios bacharéis. É importante a conscientização que a advocacia de feira só transforma o mercado em sacolão. Desvaloriza o profissional que já está a anos mercado e aquele que esta entrando.

Entramos na era do quem oferece pelo menor valor. Antes os bacharéis de direito eram formados para advocacia, magistratura e demais carreiras. Hoje para quem escolhe a advocacia já ganha de brinde um kit feira. - Ei entra aqui, audiência por 20 reais mas se eu cuidar da causa faço tudo por 25. Enquanto o outro, do lado oposto da rua oferece 3 audiências, 1 intimação, 2 reuniões e 1 contrato por 30 em 3 vezes sem juros.

Se não bastasse a feira na rua, elas se estendem aos escritórios que disputam entre sim quem pagará menos. Eu pago 1000, não não!! Chega aqui, eu pago 800 por período integral! Não não, meu escritório fatura milhões por ano, venha cá, você trabalha pelo status e a honra de trabalhar aqui e eu te pago 400, mas você tem que comprar um terno melhor, porque só atendemos clientes classe "A", não pega bem esta sua cara de fome.

Então quando a feira vem a público começam as discussões vazias sobre o tema. Levanta um terno Armani e fala: ?- Temos que punir estes advogados sem ética manchando a imagem da advocacia se oferecendo por 20 reais na audiência. Mas quando vão efetuar seus pagamentos aos seus nobres profissionais do escritório está lá: 1000 reais.

Antigamente optar pela área jurídica seria sinônimo de uma boa situação financeira, status e luta pela justiça. Hoje em dia significa que o "junior" será escravo do império do "sênior ". E quando o juninho que ganhava 800 se tornar pleno e começar a ganhar 1.500 já começará a pisar nos juninhos de 800. E assim sucessivamente....

Mas de tudo isso é importante destacar que todos os grandes escritórios que oferecem salários de estágio para advogados exigem um profissional qualificado, com uma vida acadêmica ativa. Que busque seu mestrado e seu doutorado. Abrem anualmente números "insignificantes" de vagas em universidades federais e estaduais para os juninhos conseguirem esta qualificação em seus lattes. E nas universidades particulares? Bom, se o juninho ganha 1.500 para sobreviver, alguém acha que ele consegue pagar uma pós?

A estes profissionais só restam à advocacia de feira. Oferecendo seus serviços mais baratos que o quilo do tomate.

OAB punir é a solução? Óbvio que não, pois sendo assim deveriam começar dentro dos escritórios com salários de estagiários para profissionais pós graduados. E estes profissionais são ruins? Não, mas precisam se submeter a estas condições para permanecer no mercado. Olhando em anúncios de finais de ano, me deparo com "procura-se funcionários para serviços gerais, ensino fundamental completo, salário 900+ VT+VA". Vejo outro: Vaga para advogado, com no mínimo 2 anos de experiência com salário de 1.220, preferência com carro, período integral, inglês fluente será um diferencial". HUM? Como assim? O salário não paga quase a anuidade. Carro? Meu filho, com 1.220 não dá para ter uma bicicleta, frequentar um curso de inglês? Ta bom sênior, senta lá!!!

Sem falar que para iniciar a profissão como advogado não basta o simples certificado de bacharel. Você precisa entrar no mundo fantástico de bob e ser aprovado no Exame de Ordem. Sou completamente a favor do exame desde que ele fosse justo e elaborado por profissionais de direito, pois pelos erros grosseiros das provas, as questões devem ser elaboradas pelos professores do enem. Mas isso dá uma outra conversa!

Com passos largos a advocacia se torna cada dia mais desvalorizada. Alguns culpam os números elevados de cursos de direito pelo país. Bom, primeiramente são estas faculdades em meio à lugares onde nunca os grandes grupos educacionais irão é que proporcionam o crescimento profissional e a melhoria de mão de obra local de muitos. O que deve existir é preocupação com a qualidade desta instituições. É egoísmo de a classe média achar que só devemos ter meia dúzia de cursos de direito a 1000 reais a mensalidade, em grande centro.

Graças a esta "popularização da graduação" as mensalidades hoje são muito mais acessíveis (além claro de mil programas do governo para facilitar). No entanto reforço, o MEC deveria sim se preocupar com a qualidade para não serem vitimas dos "Estelionatos educacionais". Além do que o profissional já formado não deve arcar com o ônus de ser um eterno "juninho". Pois isso vem sendo a justificativa de alguns para os altos índices de reprovação dos exames de ordem, faculdades demais com qualidade de menos. Quando alguns mais corajosos gritam ao mundo que o exame é uma reserva de mercado pelo número elevado de bacharéis que se formam todo ano.

Bom, independente das duas correntes a verdade é sim que se temos 10 profissionais e 8 se oferecendo a preço de banana caturra (1,99 kg) aqueles que cobram o preço da banana maça (2,99) terão mais dificuldades na captação de clientes e só resta o juninho cobrar 1 real mesmo saindo no prejuízo.

Além do que a advocacia de feira não ficam restrita a profissionais recém-formados. Há profissional ?sênior? na praça vendendo seu peixe muito abaixo da tabela da OAB com seus currículos atraentes e suas placas Hollywoodianas.

Não adianta lavarmos nossas mãos com os novos profissionais nem fecharmos para os mais velhos. A política de punir não funciona! Conscientização dos profissionais ainda é a melhor forma.

Por isso acho muito bacana se o blog conversasse com os leitores também sobre a importância desta valorização da advocacia.

Basta de ?Meu tomate é melhor, chega aqui , podemos negociar!?

O texto acima, segundo a sua autora, foi derivado de um comentários feito pelo vice-presidente da OAB/RJ, Dr. Ronaldo Cramer, em alusão a uma audiência pública realizada na seccional carioca:

"A OAB/RJ realizou, na segunda-feira, audiência pública para tratar da dramática situação dos audiencistas, i.e., advogados que recebem em torno de R$ 20,00 para fazer uma audiência ou realizar uma diligência processual em ações seriadas, normalmente em curso nos Juizados.

Vejo duas causas principais para esse problema.

A primeira é a discriminação que os Juizados vêm sofrendo. Os Juizados, criados para ser uma Justiça de bairro, próxima da cidadania, viraram um órgão de segunda classe do Judiciário. Existem poucos, estão mal localizados, não têm estrutura, não têm serventuários, não têm juízes togados e estão abarrotados de centenas de milhares de ações que discutem a mesma tese jurídica. Ou seja, os Juizados não funcionam.

A segunda é que, para as empresas, vale muito mais a pena desrespeitar direitos e deixar o cidadão ir ao Juizado, do que o contrário. Na cabeça de certo empresariado, exatamente porque os Juizados não funcionam, condenam mal, demoram, é melhor deixar o cidadão ir para lá - e a reboque os advogados -, do que as empresas reformarem suas práticas. A OAB/RJ vai fazer o seu papel, que é tentar impedir que parte da advocacia seja desvalorizada e receba honorários indignos. Não existe audiencista, existe advogado. A Seccional também terá olhar atento para os advogados associados e escritórios, que igualmente são reféns desse processo de desprestígio da advocacia que ocorre no contencioso de massa.

No entanto, é preciso compreender que não pode mais valer a pena para uma empresa preferir sofrer uma ação judicial. E isso somente ocorrerá quando os Juizados forem reestruturados e houver, na legislação, instrumentos processuais para lidar com as ações seriadas.

Sobre esse último ponto, o Projeto do novo CPC, cuja votação foi adiada para hoje, tenta dar sua contribuição.

Que triste realidade...

Eis um contexto funesto sobre as condições de trabalho de uma MASSA indefinida de profissionais que tentam sobreviver (sobreviver é diferente de viver) em um ambiente tão saturado.

Aliás, a saturação independe de quaisquer mensurações na prática, pois basta observar os valores praticados no mercado para se perceber a realidade da saturação.

Vamos entender o contexto!

O que regula os preços é a lei da oferta e da procura - Lex Mercatoria. O sistema remuneratório da iniciativa privada segue um princípio bem elementar do capitalismo: o valor está na raridade.

A regra é simples: muitos advogados no mercado = remunerações mais baixas.

Os preços a serem pagos são o resultado final de um embate entre o capital e o prestador de serviço.

O serviço só é remunerado se houver um acordo, e o valor irrisório de R$ 20,00 é o resultado de uma série de consensos contratuais estabelecidos de forma relativamente uniforme quando da prestação deste tipo de serviço.

Acham R$ 20,00 pouco? Na realidade ele é reflexo dos salários praticados hoje na advocacia. Vejam só:

Imaginem que um advogado "audiencista" cobre R$ 20,00 e faça, em média, 3 audiências por dia em juizados especiais. Algo bem factível. Dá para projetarmos com isso uma remuneração final mensal para ele:

Valor por audiência: R$ 20,00

Valor apurado diariamente: R$ 60,00

Valor semanal: R$ 300,00

Renda mensal: R$ 1.200,00

Voilá! Eis que o valor mensal de R$ 1.200,00 representa, exatamente, o salário pago a jovens advogados para darem um expediente regular em um escritório.

Ou seja: os R$ 20,00 por audiência representam sim o resultado do consenso do mercado, e este, os R$ 20,00, FAZEM SENTIDO sob este ponto de vista.

Mas aí os puristas podem bater no peito e bradar: "É um absurdo que advogados se VENDAM por valor tão irrisório! Deveriam ser punidos pela OAB!!"

Não é bem assim...

pedinte

O contexto, este que determina os preços, é composto por alguns elementos básicos, descritos em uma equação simples: "uma saturação de profissionais que ocupam de forma homogênea um mesmo substrato. Ou seja, jovens advogados, graduados ou com pós-graduação (foi-se o tempo que uma pós era um diferencial!), realizando um serviço com grau de complexidade reduzido, ou seja: qualquer um pode fazer."

Isso joga os preços naturalmente para baixo. E, obviamente, quem dentro deste universo se recusar a aceitar os R$ 20,00 fica fora do jogo, pois no lugar dele o contratante encontrará um substituto de forma rápida, simples e que se desincumbirá do serviço de forma satisfatória.

A aceitação deste valor não depende de quem procura serviço. Este é visto por quem oferece a remuneração como uma commodity, um elemento abundante e de fácil reposição.

Assim, com estes elementos, temos formado o quadro de preço baixo e aceitação tácita, por mais que seja aviltante, de preços tão irrisórios.

O papel da OAB

Alguém agora deve estar perguntando: "e o que a OAB pode fazer para acabar com isso?"

Este é um tema recorrente dentro da entidade, inclusive é objeto de muitas deliberações no Conselho Federal.

Não que eu despreze o trabalho da entidade ou as boas intenções que visem mitigar essa realidade, mas eu acredito piamente que a questão é absolutamente INSOLÚVEL.

E o é por motivos óbvios.

Primeiro porque tratam-se de relações privadas, e a Ordem só pode tomar alguma providência se a parte explorada fizer uma denúncia. De outra forma, a entidade não tem como controlar as múltiplas relações contratuais que ocorrem a cada santo dia. Não existe, portanto, um poder fiscalizatório eficiente, e nem poderia ter.

Depois, a parte explorada que fizer uma denúncia IMEDIATAMENTE é posta à margem do sistema. Quem contrata detém o poder econômico, da mesma forma que tem estabelecido, em regra, uma teia de relacionamentos com os outros agentes do mercado, ou seja, os outros escritórios que terceirizam serviços. Se um advogado busca seus direitos e tenta quebrar a regra do mercado (imposta de forma natural, diga-se de passagem), ele será inexoravelmente rifado do sistema. Ninguém quer pagar mais caro se pode pagar barato e ninguém quer contratar quem não é confiável quanto ao acordo de valores previamente estabelecido.

Ou seja: ou joga o jogo ou está fora.

Por fim, o grande causador do problema, o ensino jurídico super-saturado, continua do jeito que está e provavelmente continuará por muito tempo.

O drama da saturação decorre diretamente da expansão desenfreada de vagas de Direito em faculdades particulares. Hoje somos 800 mil advogados, e talvez fôssemos uns 2 milhões caso o Exame de Ordem não existisse.

É o Exame que impede(!) a precarização absoluta da profissão.

Sabemos que a OAB está interferindo no MEC para acabar com a expansão do ensino jurídico superior. E, creio, vai conseguir, mas uma coisa é impedir a expansão, outra, completamente diferente, é REDUZIR o atual quadro. Isto a OAB não vai conseguir fazer, pois o lobby do mercado da educação tem uma imensa influência e um belo de um poder econômico.

Por mais que a entidade se mobilize, crie pisos profissionais, faça ou aconteça, não vai conseguir mudar o quadro. A OAB não tem força para isto e suas mobilizações são meramente paliativas, quando não eleitoreiras.

O contexto é mais forte do que a entidade.

E o que fazer?

Tentem absorver agora uma lição importante. Certamente será a mais importante do dia de hoje, e, com sorte, a mais importante durante muito tempo quando o assunto é carreira: o valor do profissional está em sua raridade.

Diamond with Clipping Path

Por que aceitar receber R$ 20,00? Porque o jovem advogado não está em condições, naquele momento, de arranjar uma ocupação profissional diferente e que tenha um grau técnico mais sofisticado.

Simples assim!

Naquele momento não há alternativa.

Vou-lhes contar um caso interessante. Há uns 4 ou 5 anos eu trabalhava em um escritório ligado ao direito eleitoral, e estávamos envolvidos no caso da cassação de um governador. Minha participação neste caso foi mínima, até porque eu atuava mais na área do STJ e STF e longe deste ramo específico do Direito.

Lembro-me então que este governador, nosso ex-adverso, contratou um advogado para fazer a sustentação oral no TSE. Sabem quanto o advogado cobrou? Um milhão de reais!

surpresa

Sim, sim, sim...sem nenhuma invencionice: foi mesmo 1 milhão de reais para sustentar durante 10 ou 15 minutos na tribuna. Meu então chefe, muitissimo bem relacionado, ficou sabendo deste valor.

Pergunta: a sustentação vale mesmo isso tudo?

Resposta: quem era o advogado?

Em suma: o advogado era tão bambambam, tão conhecido, já havia sido uma pá de coisas nos altos escalões da República que podia se dar ao luxo de cobrar este valor e, sem gerar no contratante um grande muchocho, receber o pagamento.

E assim foi.

Imaginem agora o jovem advogado que cobra R$ 20,00 por audiência. Ele tem condições de cobrar R$ 1 milhão em grandes causas?

Não, né?

Este é o ponto.

Em um momento de sua carreira suas CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS impedirão voos mais elevados. A carreira é uma progressão, e cada passo, cada subida de patamar depende em boa parte de planejamento e estudos.

Não é só fazer uma pós, é ter experiência. Não é só saber peticionar bonitinho, é conhecer gente que conhece gente. Não é só querer receber dinheiro, é ter de investi-lo pensando no longo prazo. Não é só imaginar finais de semanas legais, mas passá-los trabalhando.

Difícil sim, mas também apresenta resultados ao longo dos ANOS. E, tenham a certeza disto, só a minoria está disposta a fazer sacrifícios agora em nome de um futuro melhor. A maioria não consegue enxergar o futuro tão longe assim no horizonte.

Se por um acaso te oferecerem um salário mixuruca para fazer um trabalho, e a necessidade o compelir a aceitar, lembre-se de que isso deriva de você mesmo, e não do mercado.

O mercado nunca está errado.

Reflita e trace um roteiro para fazer um upgrade no seu valor pessoal.