Algumas "tretas" da 2ª fase da OAB, peguinhas no enunciado da peça prática e a identificação da correta solução processual

Quarta, 8 de abril de 2015

treta

Treta! Esse substantivo feminino significa briga, rolo, desentendimento, bronca, e é um termo MUITO associado ao Exame de Ordem!

Sim! Gostem ou não, a prova da OAB tem um belíssimo histórico de tretas entre a banca e os candidatos. Estes, os candidatos, chegam as raias da loucura quando acontece uma gloriosa treta. E, em regra, elas ocorrem na 2ª fase, ali, na hora da verdade.

Não vamos, claro, descartá-las da 1ª fase. A atual, por exemplo, tem algumas tretas ainda a serem resolvidas.

Mas nosso foco aqui é a 2ª fase, a fase campeã de tretas!

Alguém pode vir perguntar: mas como podem acontecer tantas "tretas" na 2ª fase? A resposta, claro, é bem fácil de ser dada: elas acontecem porque a banca sempre tenta dar um jeitinho de reprovar os candidatos com uma artimanha, uma "pegadinha!"

"Ahhhhhh.....e isso acontece muito?"

Eu diria que já foi algo mais frequente, e que de umas edições para cá (poucas edições) a coisa deu uma melhoradinha.

Mas...mas a gente sabe que o comportamento da banca é cíclico, e que estabilidade não é o forte da FGV quando o assunto é modular o grau de dificuldade da prova. A qualquer momento, em qualquer disciplina, uma treta pode surgir!

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E como fugir das tretas? Como escapar desse terrível evento na 2ª fase da OAB?

Ahhhhh meus jovens, aqui é o pulo do gato para ser feliz na prova subjetiva! Existe sim um "caminho das pedras" para se livrar delas. Bom, não é um caminho muito preciso, pois certos problemas ultrapassam a capacidade dos candidatos de lidar com eles, como quando a FGV publica uma errata no meio da prova. Aí a confusão é certa e inevitável.

Mas, por outro lado, quando a confusão deriva de uma pegadinha, aí sim é possível escapar e fazer uma boa prova.

E como funciona isso na prática?

Bom, a vantagem de acompanhar o Exame de Ordem há tanto tempo e tão de perto, e interferir sempre que é preciso, ajudou na compreensão dos problemas. Ter uma visão em perspectiva me mostrou uma coisa: em regra a forma de levar o candidato a erro é a mesma.

Prestem atenção! A lógica é mais ou menos a seguinte:

A narrativa do problema leva o examinando por um caminho ATÉ uma frase ou termo conduzir o problema para outro lado SEM que o candidato perceba.

E aqui vem o ponto central da coisa: muitos candidatos caem ou porque não percebem o detalhe ou, em especial, porque acham que a melhor solução seria idêntica a uma solução no mundo real.

Esqueçam o mundo real! A solução sempre está dentro da prova, e atenção aos detalhes é FUNDAMENTAL!

Bora ver como é isso na prática? Vamos trabalhar algumas tretas do passado para ilustrar a percepção.

Comecemos pela prova de Direito Constitucional do IX Exame de Ordem. Vamos ao seu enunciado:

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Reparem só! No primeiro parágrafo do problema e nas partes sublinhadas de amarelo está o mimimi, o drama. O tal do José está nas últimas e a banca faz questão de ressaltar isso! O candidato lê e pensa "José está no limiar da morte" e prestes a bater as botas.

Aqui a banca criou um enredo dramático e deixa no candidato a impressão de que uma medida URGENTE precisa ser tomada!

E precisa!

Mas não podemos esquecer de que é uma prova! Vamos olhar os detalhes das partes em vermelho.

Muitos candidatos, marcados pelo relato de urgência, não perceberam que a banca colocou EXCEÇÕES uma das ações mais urgentes que nós temos: o mandado de segurança.

Nas partes em vermelho a banca indica, primeiramente, o pólo passivo da ação: "hospitais municipais, estaduais e federais."

Mais embaixo a banca ressalta que a medida judicial tem de ser contra esses hospitais: "identificar e minutar a medida judicial adequada à tutela dos direitos de José em face de todos os entes que possuem hospitais próximos ao local."

E, para fechar, a banca ainda pede que o advogado peça uma indenização por danos morais contra o hospital: "que seja levado em consideração o tratamento hostil por ele recebido no hospital municipal."

Pergunto: cabe mandado de segurança contra entes públicos e, em especial, com pedido de indenização por danos morais?

Não cabe! Vejamos a Lei 12.016/09:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.

Não cabe o mandado contra pessoas jurídicas ou entes públicos, e sim contra as AUTORIDADES que as dirigem. Assim como também um MS não é meio hábil para se pleitear uma indenização por danos morais, afora a necessidade da produção de provas durante um futuro processo, quando sabemos que no MS as provas são pré-constituídas.

Aqui, e exatamente aqui, surgiu a treta: a banca criou uma narrativa de urgência, em que o cliente do advogado estava para morrer, e uma boa parcela dos candidatos, preocupada em assegurar a vida do cliente, pensou de plano que a melhor solução seria um mandado de segurança.

Não atentaram para os detalhes de exclusão da ação que, na aparência, seria a mais adequada. E a solução correta era uma ação ordinária.

E assim instalou-se a treta!

Os candidatos já começaram a  reclamar no dia da prova, depois da divulgação dos gabaritos extraoficiais e criaram um movimento em prol da aceitação do MS.

A banca não se comoveu e, quando o padrão foi publicado (naquela época não era no dia da prova da 2ª fase), fez questão de ressaltar que o MS não era cabível:

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Aí o barulho virou revolta e os candidatos aumentaram a pressão, pois, na ótica deles, a melhor solução era o MS em função da urgência da situação.

O barulho cresceu, chegou nas seccionais, alguns presidentes compraram a briga e....a banca teve de ceder:

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Uns meses depois eu fiquei sabendo a razão para o CFOAB ceder: a Ordem tem um discurso de ampla aceitação de remédios constitucionais para muitas hipóteses, e adotar na prova uma postura diferente desta ia contra a política da instituição. A coordenação da prova, que não queria aceitar o MS, acabou cedendo.

Agora vocês pensam em todo o stress envolvido nisto. Deixou os candidatos maluquinhos.

Moral da história: a narrativa do problema pode conduzir a uma percepção, mas no enunciado elementos podem excluir a aplicabilidade desta percepção. Ou seja, a prova é uma avaliação e não a reprodução da vida real. A banca queria ver se os candidatos seriam capazes de pegar os detalhes (o famoso e infame "peguinha")  para escolher a ação correta.

Vamos ver agora um problema semelhante, mas não tão igual assim. A prova de Trabalho do XIII Exame:

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Enunciado técnico, cheio de detalhes para tomar por completo a atenção do candidato, e com um PEQUENO e capcioso detalhe: a citação.

Ela, a citação, excluiria a possibilidade de não ser algo que não fosse os Embargos à Execução.

Certo?

Mais ou menos...

O lance nessa prova foi que a banca apontou a citação para excluir, exatamente, os embargos de terceiros. Se o cliente já havia sido citado, então ele não era estranho ao processo. Desta forma, não poderia entrar entrar com embargos de terceiros, mas sim com embargos à execução. Muita gente defendeu que só cabia embargos à execução, inclusive professores de cursinho.

Acontece que a Justiça do Trabalho não é a Justiça Cível.

Há o entendimento que, na Justiça do Trabalho, é cabível os Embargos de Terceiro nesta hipótese, pois a parte pode querer opor os embargos de terceiro pois os embargos à execução são próprios do devedor, e a parte pode alegar que não deve nada. Nesta hipótese, o ex-sócio, incluído no pólo passivo da relação processual na fase executória, se apresentar apresentar embargos à execução irá prejudicará sua alegação de terceiro, por outro lado, apresentando embargos de terceiro e reconhecido como parte, não poderá questionar os cálculos.

Ou seja: nesta hipótese há forte jurisprudência na Justiça do Trabalho dizendo que o devedor pode manejar ou um ou outro instituto.

Nos aqui compramos essa briga para os candidatos:

 Embargos de terceiros: entre o tamanho do público afetado e o tamanho do "erro".

Professor Renato Saraiva defende o cabimento de Embargos de Terceiro na prova de Trabalho do XIII Exame de Ordem

Coordenador da prova de Direito do Trabalho já defendeu o cabimento concomitante de embargos de execução e embargos de terceiros na hipótese da prova trabalhista

Mesa Redonda - Análise da prova Trabalhista

E conseguimos reverter a situação:

ATENÇÃO: OAB publica comunicado aceitando Embargos de Terceiro na prova da 2ª fase trabalhista!!!

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Mas foi sofrido!

Qual o detalhe aqui?

Reparem que a banca veio com um pequeno detalhe em meio a narrativa de um problema complexo, exatamente para saber se os candidatos saberiam distinguir qual a peça correta em função da citação já ter ocorrido.

Acontece que a banca esqueceu do detalhe na possibilidade das duas alternativas serem, efetivamente, possíveis naquela hipótese. Por isso que ela teve que ceder posteriormente.

Aqui, a banca não foi feliz na escolha do "peguinha".

Vamos olhar agora a treta das tretas (sob o aspecto técnico): a prova de Tributário do X Exame de Ordem:

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Reparem no enunciado. Simples, pequeno, direto e objetivo.

Em uma primeira olhada nada de errado poderia ter saído daí, certo?

Galera.....essa prova foi o cão!! Para vocês terem ideia a banca aceitou como respostas possíveis 7 peças diferentes!!!

Agravo de Instrumento, Apelação, Recurso Inominado, Ação de Repetição de Indébito, Mandado de Segurança com Pedido de Liminar, Ação Anulatória e Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica.

Dá para imaginar a gritaria que foi até chegarmos a 7 peças diferentes.

Vou tentar resumir o rolo que foi este enunciado.

Não dava, de plano, para identificar o Juízo competente, se federal ou estadual. Isso porque se ?determinada empresa?, em regra, for pessoa jurídica de direito privado, sabemos que a competência para conhecimento e julgamento da causa é da justiça comum. Mas se for uma empresa pública, como a CAIXA, por exemplo, a ação deveria correr pela Justiça Federal.

E não dava para saber.

Então o endereçamento da peça processual ficou indefinido. Só aí foi feito um nó na cabeça dos candidatos, que perderam um tempo imenso imaginando qual seria a competência correta.

Depois, dentro do âmbito dos Juizados Especiais, o sistema recursal da lei n. 9.099/95 prevê e admite apenas o recurso inominado contra as sentenças e os embargos de declaração contra as sentenças e os acórdãos. De acordo com o art.52 da Lei n. 9.099/95, que admite a aplicação subsidiária do CPC, não há na lei em referência previsão de recurso contra decisões interlocutórias ou qualquer outro meio de impugnação.

Se o processo tramita no Juizado Especial, não se pode atacar a decisão da proposta por agravo de instrumento, mas apenas por RECURSO no momento oportuno, nome esse dado pelo legislador (art.41 da Lei n. 9.099/95) ao invés de apelação.

Então, por uma interpretação de que a causa tramita pelo Juizado Especial, imaginou-se  o recurso de agravo de instrumento na peça proposta não seria cabível e somente um RECURSO seria possível (ou apelação erroneamente nominado para a situação) ante a lacunosa redação da proposta.

Ademais, não dava para saber com convicção se a decisão do juiz era terminativa ou interlocutória. Isso porque a decisão que põe fim ao cumprimento de sentença tem natureza jurídica de sentença, conforme art.475-R c/c art.795, ambos do CPC. Mas a redação da proposta fala apenas em baixa (da distribuição) e arquivamento, nada falando da extinção do cumprimento de sentença pelo pagamento.

O candidato teria de interpretar se a decisão era terminativa, em função do termos ?e a baixa e arquivamento dos autos? ou, como nada foi dito expressamente, se seria uma interlocutória, recorrível por meio de agravo.

Já deu para perceber que não deu certo, né?

A professora Josiane Minardi publicou à época um manifesto pela ampla aceitação das peças:

Manifesto: Pela ampla aceitação de peças na prova prático-profissional de Direito Tributário

O que de fato veio a acontecer:

ATENÇÃO! OAB vai aceitar mais de uma peça na prova de Tributário! Questões de Civil tendentes a serem anuladas!

ATENÇÃO! FGV publica comunicado anulando questões 3 e 4 de Civil e aceitando várias peças em Tributário

Moral da história: aqui não tem bem uma moral da história. O enunciado foi tão mal redigido que ao menos 4 peças eram efetivamente cabíveis diante do problema, sendo que a Ordem aceitou 7 peças distintas para evitar maiores polêmicas, pois a redação do enunciado gerou toda sorte de respostas.

Eu acho que algo assim nunca mais vai acontecer, mas em se tratando de Exame da OAB, tudo é possível. Se acontecer de uma redação ser tão lacunosa assim, tentem ler o enunciado da forma mais literal possível, sem permitir muitas divagações sobre possibilidades.

Mas, repito, acho que algo assim nunca mais acontecerá. Se acontecer, aí o jeito é ir para a guerra. Infelizmente não há soluções, na hora da prova, para todos os males que um enunciado ruim pode produzir.

A melhor forma de lidar com algo assim é fazer uma peça coerente, íntegra em si mesma, sem misturar ritos, procedimentos ou pedido de uma coisa com outra.

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Sim! Existem mais tretas a serem tratadas! Muitas outras, mas isto ficará para um próximo post!

O importante aqui é identificar um padrão de pegadinhas da banca e mostrar a vocês como sevirar nas mais diferentes hipóteses.

Mas, em regra, quando a banca quer aplicar uma rasteira nos candidatos, o faz nos detalhes, com a utilização de termos ou criação de pequenas hipóteses que conflitam com o raciocínio induzido pelo enunciado.

É neste ponto, o dos detalhes, que vocês precisam ficar atentos.